
Coutinho: é necessário estar em todas as mídias porque elas “conversam” entre si
A chave para entender esse novo contexto é perceber que a base sobre a qual o segmento de mídia estava alicerçado mudou, segundo Marcelo Coutinho, professor da Fundação Getúlio Vargas e um dos principais estudiosos brasileiros do mercado de comunicação. Conforme ele explica, toda a economia do setor de broadcast tradicional se sustentava a partir da capacidade tecnológica das empresas de entregar um conteúdo que despertava uma atenção, presa a uma grade. Hoje, o cenário é outro: o consumidor dedica sua atenção também ao que está fora da grade dos veículos de comunicação, como as redes sociais.
“Isso dá origem ao conceito de ‘consumercast’ – uma mídia que não está mais construída a partir da capacidade tecnológica das empresas, mas sim a partir da capacidade tecnológica do consumidor”, diz Coutinho nesta entrevista ao blog. Esse novo panorama é desafiador, mas também abre novas oportunidades de negócios para as empresas de mídia.
“Há um grande desafio para quem produz conteúdo, inclusive o publicitário. Porque o conteúdo da publicidade precisa migrar de uma tela para a outra, e não simplesmente reproduzir a mesma peça no outro meio”, diz Coutinho, que também é diretor de inteligência do Terra. Para ele, as empresas devem estar em todas as mídias porque elas se ‘conversam’ o tempo todo. “Não é uma mídia contra a outra, como se imaginava há dez anos. Há um consumo simultâneo muito grande”.
Confira a entrevista de Marcelo Coutinho ao blog:
Quais são as principais mudanças que a era digital provoca no modelo de negócios da mídia?
O ponto de partida é analisar como uma empresa de broadcasting ganhava dinheiro. O modelo era sustentado pela venda de publicidade – a receita de circulação, no caso dos impressos, sempre foi menor, muitas vezes mal chegava a cobrir os gastos de impressão. O que variava era o porcentual da receita publicitária no conjunto. No caso da TV, por exemplo, era de 100%.
Ao analisar e economia das empresas de mídia, pode-se dizer que esse era um negócio baseado na venda de atenção presa a uma grade – horária, como a da TV e do rádio, diária (jornal) e semanal ou mensal, no caso das revistas. Como funcionava isso? A empresa de conteúdo dizia para os anunciantes: em tal horário de um determinado dia etc, segundo o Ibope, tenho uma audiência de X milhões de pessoas cujas características sócio-demográficas são assim e assado. E vendia-se essa atenção. Cabia ao anunciante comprar isso e, à agência de publicidade, desenvolver um conteúdo adequado. O que tem em comum aí? É que toda a economia do mercado de broadcast se sustentava a partir da capacidade tecnológica das empresas de entregar um conteúdo que despertava uma atenção, presa a uma grade.

Na era do broadcast, sistema mídia se sustentava pela capacidade tecnológica das empresas de entregar um conteúdo
Mas esse modelo começou a mudar nas últimas duas últimas décadas do século passado.
Exato. Primeiro, o custo de processamento da informação despencou. O computador mais poderoso do mundo nos final anos 1980 tinha a mesma capacidade de processamento de um iPad hoje. O custo de armazenamento da informação também despencou muito, assim como o de distribuição. E, do lado do software, caiu o grau de sofisticação que uma pessoa tinha de ter para fazer programação.
Qual foi o resultado prático dessas transformações?
As ferramentas de edição, produção e distribuição de conteúdo não estão mais exclusivamente na mão das empresas. Elas se tornaram passíveis também de serem utilizadas pelos indivíduos. Isso dá origem ao conceito de “consumercast” – uma mídia que não está mais construída a partir da capacidade tecnológica das empresas, mas sim a partir da capacidade tecnológica do consumidor.
Qual o impacto disso?
A captação, a produção, a edição e a distribuição de conteúdo não estão mais presas a uma grade, que era o pilar da economia da mídia tal como ela estava assentada. A principal consequência disso é que a atenção agora é o recurso mais escasso da economia. A escassez é aquilo que a informação consome. E o que informação consome é a atenção das pessoas. Portanto, a riqueza de informação cria a pobreza de atenção. Ou seja, no mundo fora da grade, desestruturou-se o processo de venda de atenção.
Ao mesmo tempo, a atenção se tornou um recurso muito mais escasso porque o consumidor agora consome mídia de maneira simultânea. Então o consumo de mídia cresce como um todo, assim como o acesso simultâneo de mídias.
Isso tem reflexos em diversas cadeias. Basta ver a indústria da música, cujas vendas estão encolhendo – de US$ 25 bilhões em 1999/2000 para US$ 15 bilhões em 2012. O digital, embora cresça astronomicamente, não dá conta de garantir o desempenho. A mesma coisa aconteceu, com uns cinco ou seis anos de atraso, na publicidade dos impressos. Nos EUA, por exemplo, atingiu um pico de US$ 49 bilhões, em 2006, e caiu para U$$ 22 bilhões.
Retirado de apresentação de Marcelo Coutinho

Na era do “consumercast”, ecossistema mídia é alterado capacidade tecnológica do consumidor
Por que isso acontece?
Há um deslocamento da atenção das pessoas para um conteúdo de fora dessa grade. Ao mesmo tempo, a quantidade de produtores de conteúdo aumentou barbaramente. Consequentemente, a atenção se tornou mais escassa. E isso ajuda a explicar o paradoxo da televisão.
Qual é esse paradoxo?
Se a audiência da TV está indo para fora da grade - e, em termos absolutos, ela é cada vez menor -, por que o custo de anunciar na TV aumenta cada vez mais? Porque o valor relativo da audiência subiu. Há 20 anos, quando toda a audiência estava na grade, ter uma audiência de 20 milhões de pessoas era normal. Afinal, estava todo mundo lá. Isso representaria, só como ilustração, algo como 20%.
Hoje, como as pessoas estão indo para fora da grade, uma audiência de 10 milhões de pessoas, às vezes, significa 50% naquela grade. O valor relativo da audiência TV aumenta, em função das pessoas irem para fora da grade. Se isso for verdade, há duas consequências importantes. A primeira é que o valor de audiência dentro da grade deveria cair, mas não é o que acontece. Porque exatamente pela atenção ter se tornado mais escassa e ir para fora da grade, aquela audiência que ainda está na grade – embora ela seja menor do que há 20 anos-, em termos relativos ao volume total de atenção, se tornou mais valiosa.
Então significa dizer que, para uma ação ou campanha ser bem-sucedida, é preciso estar em todas as plataformas?
Sim, e este é o segundo ponto: é necessário estar em todas as mídias porque elas se “conversam” o tempo todo. Não é uma mídia contra a outra, como se imaginava há dez anos ou mais anos. Há um consumo simultâneo muito grande. Se você observar a pesquisa Terra Digital, feita pelo portal, um meio alimenta o outro. Percebe-se que 64% dos brasileiros já consomem TV e internet sempre ou frequentemente. Desses, apenas 7% dizem que seu foco de atenção é a TV, enquanto 49% dizem que o foco está na internet e 44% nos dois. Mas, quando você pergunta o que elas fazem enquanto assistem à TV e usam a internet ao mesmo tempo, 38% dos brasileiros afirmam que comentam nas redes sociais o que veem na TV. E 34% pesquisam ou procuram produtos que aparecerem nos programas de televisão.
O sistema se retroalimenta.
Exatamente. Isso gera uma grande desafio para quem produz conteúdo, inclusive o publicitário. Porque o conteúdo da publicidade precisa migrar de uma tela para a outra, não é simplesmente reproduzir a mesma peça no outro meio. Isso porque o tempo de atenção e o uso daquele meio serão diferentes de um meio para o outro. É preciso fazer um meio conversar com o outro.
Um exemplo disso é o aplicativo Shazam. Ele mostra para o usuário quais sãos as músicas veiculadas num determinado programa de TV e permite fazer o download, entre outras coisas. Mostra também o Twitter dos atores e notícias publicadas sobre aquela atração específica, os outros filmes dos quais participaram. Todos os programas de televisão dos EUA já usam esse aplicativo. E qual o próximo passo? A aplicação disso na publicidade. Um exemplo é um comercial feito para a BMW com o Shazam, em janeiro. Quando esse comercial era exibido, o aplicativo mostrava, no smartphone, todas as informações relativas ao carro.
Trata-se de uma nova forma de fazer a publicidade, não?
Sim. Significa, na web, pegar o comercial de 30 segundos e transformá-lo em uma peça de 15 segundos. E, nos outros 15 segundos adicionais, colocar alguma coisa que estimule a pessoa a compartilhar aquela conteúdo ou se engajar no processo. Para fechar o raciocínio: ao mesmo tempo em que a atenção das pessoas não está mais presa a um meio e a uma grade, também é necessário criar conteúdo que pule de uma tela para a outra.
Fonte: http://claytonmelo.istoedinheiro.com.br/2013/07/24/o-que-e-a-era-do-consumercast-e-como-ela-transforma-o-mercado-de-midia/
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