sexta-feira, 26 de julho de 2013

O que é a era do “consumercast” e como ela transformou o mercado de mídia

As mídias digitais têm provocado mudanças profundas no hábito de consumo de mídia por parte das pessoas. Isso, por sua vez, tem reflexos no modelo de negócios de veículos, agências e anunciantes. Mas quais são exatamente essas mudanças e quais os novos horizontes para o mercado de comunicação?

   Coutinho: é necessário estar em todas as mídias porque elas “conversam”  entre si

A chave para entender esse novo contexto é perceber que a base sobre a qual o segmento de mídia estava alicerçado mudou, segundo Marcelo Coutinho, professor da Fundação Getúlio Vargas e um dos principais estudiosos brasileiros do mercado de comunicação.  Conforme ele explica, toda a economia do setor de broadcast tradicional se sustentava a partir da capacidade tecnológica das empresas de entregar um conteúdo que despertava uma atenção, presa a uma grade. Hoje, o cenário é outro: o consumidor dedica sua atenção também ao que está fora da grade dos veículos de comunicação, como as redes sociais.
“Isso dá origem ao conceito de ‘consumercast’ – uma mídia que não está mais construída a partir da capacidade tecnológica das empresas, mas sim a partir da capacidade tecnológica do consumidor”, diz Coutinho nesta entrevista ao blog. Esse novo panorama é desafiador, mas também abre novas oportunidades de negócios para as empresas de mídia.
“Há um grande desafio para quem produz conteúdo, inclusive o publicitário. Porque o conteúdo da publicidade precisa migrar de uma tela para a outra, e não simplesmente reproduzir a mesma peça no outro meio”, diz Coutinho, que também é diretor de inteligência do Terra. Para ele, as empresas devem estar em todas as mídias porque elas se ‘conversam’ o tempo todo.  “Não é uma mídia contra a outra, como se imaginava há dez anos. Há um consumo simultâneo muito grande”.
Confira a entrevista de Marcelo Coutinho ao blog:
Quais são as principais mudanças que a era digital provoca no modelo de negócios da mídia?
O ponto de partida é analisar como uma empresa de broadcasting ganhava dinheiro. O modelo era sustentado pela venda de publicidade – a receita de circulação, no caso dos impressos, sempre foi menor, muitas vezes mal chegava a cobrir os gastos de impressão.  O que variava era o porcentual da receita publicitária no conjunto.  No caso da TV, por exemplo, era de 100%.
Ao analisar e economia das empresas de mídia, pode-se dizer que esse era um negócio baseado na venda de atenção presa a uma grade – horária, como a da TV e do rádio, diária (jornal) e semanal ou mensal, no caso das revistas. Como funcionava isso? A empresa de conteúdo dizia para os anunciantes: em tal horário de um determinado dia etc, segundo o Ibope, tenho uma audiência de X milhões de pessoas cujas características sócio-demográficas são assim e assado. E vendia-se essa atenção. Cabia ao anunciante comprar isso e, à agência de publicidade, desenvolver um conteúdo adequado.  O que tem em comum aí? É que toda a economia do mercado de broadcast se sustentava a partir da capacidade tecnológica das empresas  de entregar um conteúdo que despertava uma atenção, presa a uma grade.

 Na era do broadcast, sistema mídia  se sustentava pela capacidade tecnológica das empresas de entregar um conteúdo 
Mas esse modelo começou a mudar nas últimas duas últimas décadas do século passado.
Exato. Primeiro, o custo de processamento da informação despencou. O computador mais poderoso do mundo nos final anos 1980 tinha a mesma capacidade de processamento de um iPad hoje.  O custo de armazenamento da informação também despencou muito, assim como o de distribuição. E, do lado do software, caiu o grau de sofisticação que uma pessoa tinha de ter para fazer programação.
Qual foi o resultado prático dessas transformações?
As ferramentas de edição, produção e distribuição de conteúdo não estão mais exclusivamente na mão das empresas. Elas se tornaram passíveis também de serem utilizadas pelos indivíduos. Isso dá origem ao conceito de “consumercast” – uma mídia que não está mais construída a partir da capacidade tecnológica das empresas, mas sim a partir da capacidade tecnológica do consumidor.
Qual o impacto disso?
A captação, a produção, a edição e a distribuição de conteúdo não estão mais presas a uma grade, que era o pilar da economia da mídia tal como ela estava assentada.  A principal consequência disso é que a atenção agora é o recurso mais escasso da economia. A escassez é aquilo que a informação consome. E o que informação consome é a atenção das pessoas. Portanto, a riqueza de informação cria a pobreza de atenção. Ou seja, no mundo fora da grade, desestruturou-se o processo de venda de atenção.
Ao mesmo tempo, a atenção se tornou um recurso muito mais escasso porque o consumidor agora consome mídia de maneira simultânea. Então o consumo de mídia cresce como um todo, assim como o acesso simultâneo de mídias.
Isso tem reflexos em diversas cadeias. Basta ver a indústria da música, cujas vendas estão encolhendo – de US$ 25 bilhões em 1999/2000 para US$ 15 bilhões em 2012. O digital, embora cresça astronomicamente, não dá conta de garantir o desempenho. A mesma coisa aconteceu, com uns cinco ou seis anos de atraso, na publicidade dos impressos. Nos EUA, por exemplo, atingiu um pico de US$ 49 bilhões, em 2006, e caiu para U$$ 22 bilhões.
Retirado de apresentação de Marcelo Coutinho

Na era do “consumercast”, ecossistema mídia é alterado capacidade tecnológica do consumidor  
Por que isso acontece?
Há um deslocamento da atenção das pessoas para um conteúdo de fora dessa grade. Ao mesmo tempo, a quantidade de produtores de conteúdo aumentou barbaramente. Consequentemente, a atenção se tornou mais escassa. E isso ajuda a explicar o paradoxo da televisão.
Qual é esse paradoxo? 
Se a audiência da TV está indo para fora da grade  ­­- e, em termos absolutos, ela é cada vez menor -, por que o custo de anunciar na TV aumenta cada vez mais? Porque o valor relativo da audiência subiu. Há 20 anos, quando toda a audiência estava na grade, ter uma audiência de 20 milhões de pessoas era normal. Afinal,  estava todo mundo lá. Isso representaria, só como ilustração, algo como 20%.
Hoje, como as pessoas estão indo para fora da grade, uma audiência de 10 milhões de pessoas, às vezes,  significa 50% naquela grade. O valor relativo da audiência  TV aumenta, em função das pessoas irem para fora da grade. Se isso for verdade, há duas consequências importantes. A primeira é que o valor de audiência dentro da grade deveria cair, mas não é o que acontece. Porque exatamente pela atenção ter se tornado mais escassa e ir para fora da grade, aquela audiência que ainda está na grade – embora ela seja menor do que há 20 anos-, em termos relativos ao volume total de atenção, se tornou mais valiosa.
Então significa dizer que, para uma ação ou campanha ser bem-sucedida, é preciso estar em todas as plataformas?
Sim, e este é o segundo ponto: é necessário estar em todas as mídias porque elas se “conversam” o tempo todo.  Não é uma mídia contra a outra, como se imaginava há dez anos ou mais anos. Há um consumo simultâneo muito grande. Se você observar a pesquisa Terra Digital, feita pelo portal, um meio alimenta o outro. Percebe-se que 64% dos brasileiros já consomem TV e internet sempre ou frequentemente. Desses, apenas 7%  dizem que seu foco de atenção é a TV, enquanto 49% dizem que o foco está na internet e 44% nos dois. Mas, quando você pergunta o que elas fazem enquanto assistem à TV e usam a internet ao mesmo tempo,  38% dos brasileiros afirmam que comentam nas redes sociais o que veem na TV. E 34% pesquisam ou procuram produtos que aparecerem nos programas de televisão.
O sistema se retroalimenta.
Exatamente.  Isso gera uma grande desafio para quem produz conteúdo, inclusive o publicitário. Porque o conteúdo da publicidade precisa migrar de uma tela para a outra, não é simplesmente reproduzir a mesma peça no outro meio. Isso porque o tempo de atenção e o uso daquele meio serão diferentes de um meio para o outro. É preciso fazer um meio conversar com o outro.
Um exemplo disso é o aplicativo Shazam. Ele mostra para o usuário quais sãos as músicas veiculadas num determinado programa de TV e permite fazer o download, entre outras coisas. Mostra também o Twitter dos atores e notícias publicadas sobre aquela atração específica, os outros filmes dos quais participaram. Todos os programas de televisão dos EUA já usam esse aplicativo. E qual o próximo passo? A aplicação disso na publicidade. Um exemplo é um comercial feito para a BMW com o Shazam, em janeiro. Quando esse comercial era exibido, o aplicativo mostrava, no smartphone, todas as informações relativas ao carro.
Trata-se de uma nova forma de fazer a publicidade, não? 
Sim. Significa, na web, pegar o comercial de 30 segundos e transformá-lo em uma peça de 15 segundos. E, nos outros 15 segundos adicionais, colocar alguma coisa que estimule a pessoa a compartilhar aquela conteúdo ou se engajar no processo. Para fechar o raciocínio: ao mesmo tempo em que a atenção das pessoas não está mais presa a um meio e a uma grade, também é necessário criar conteúdo que pule de uma tela para a outra.


Fonte: http://claytonmelo.istoedinheiro.com.br/2013/07/24/o-que-e-a-era-do-consumercast-e-como-ela-transforma-o-mercado-de-midia/

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